Aos poucos, vou falando dos livros que li neste ano.
Na empolgação pelo lançamento recente de mais um Saramago (A Viagem do Elefante), retomei As Intermitências da Morte, que ganhei de aniversário 3 anos atrás, comecei a ler e parei, sei lá por quê. Achei mais difícil que os saramagos em geral, tive uma certa preguiça.
Mas me animei e fiquei muito feliz por isso. O livro é muito bom, muito interessante.
A leitura que eu fiz foi de uma certa racionalização do autor para, pareceu-me, amenizar o desconforto com a aparente iminência da morte, já que de sua inevitabilidade não haveria o que dizer.
O que gosto muito no Saramago é sua peculiar capacidade de inventar para a vida cotidiana uma situação inusitada que nos faz analisar o absurdo de alguns dos nossos desejos (de que pudéssemos não morrer nunca) ou comportamentos (não ver de verdade os outros).
Agora, o interessante d'As Intermitências é que ele muda completamente o rumo, de uma hora para outra.
Minha irmã me atiçou a curiosidade, ao dizer que aquele livro era, até um pedaço, como o Ensaio sobre a Cegueira, e, a partir de certo ponto, nitidamente virava um Memorial do Convento. Como eu não tinha lido esse último, fiquei presa a essa curiosidade. E, mesmo sem conhecer o Memorial, é evidente o momento da mudança, uma ruptura mesmo.
Sei lá o que deu na cabeça dele, vira uma história totalmente diferente das que ele conta em geral. Só lendo pra ver.
O que tem de comum é aquele certo pendor pro romantismo, mas, claro, o romantismo saramaguiano, que não tem nada a ver com o banal.
Vale a pena ler, é um livro bem curioso mesmo. Eu gostei, mesmo com, ou principalmente por ele, esse final inusitado.
Aliás, esse romantismo próprio é um dos elementos mais valiosos da História do Cerco de Lisboa, outro livro que eu já tinha começado (algumas vezes, aliás) e não seguia adiante, mas desta vez peguei firme também por recomendação da minha irmãzinha (revisora, o que a faz ter um carinho especial pela história, deduzo).
Esse é delicioso! De fato, tinha achado meio chatas as primeiras páginas, mas, vencida essa impressão inicial, me apaixonei em cheio pelo livro.
Muito bem escrito, como todos os saramagos, mas delicadíssimo, sensível, lindo.
Com este, redescobri um outro prazer que sinto nos saramagos um pouco mais antigos: trazem já sua crítica ácida da hipocrisia humana, mas têm também um respeito a mais pelos sentimentos nobres que os humanos também têm. Um carinho por sua forma de amar, seus receios próprios desse estado amoroso, uma poesia pra falar do sexo nesses personagens.
Uma beleza delicada e menos pessimista do que aquela também beleza mas tão dura do Ensaio sobre a Cegueira ou do Evangelho segundo Jesus Cristo.
Descobri que gosto talvez ainda mais desse Saramago de antes. Mas, claro, graças ao conjunto de tudo o que ele trouxe depois. Paradoxal?
Um comentário:
Tata, sem dúvida tenho carinho especial pelo Cerco de Lisboa pelo fato de o personagem ser revisor... ;)
Mas me diz uma coisa. É nesse livro que tem um almuadem cego? Me marcou muito a forma como ele fala sobre o estado de jejum, e de como isso deixa ele se sentindo mais próximo de deus. Só não faço idéia de onde li isso...
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